Câmara de Guaxupé aprova projeto de lei suspeito de ilegalidade

Mai 11, 2021 - 00:00
Câmara de Guaxupé aprova projeto de lei suspeito de ilegalidade
Câmara de Guaxupé aprova projeto de lei suspeito de ilegalidade
Parece que no Brasil existe algo incompreensível para um cidadão com um mínimo de discernimento. A legislação brasileira não exige que um candidato a qualquer cargo eletivo, seja ele do executivo ou do legislativo, comprove um mínimo de escolaridade e ou de conhecimento técnico jurídico, basta que o mesmo saiba rabiscar o próprio nome.
O legislador, aquele que vai elaborar e redigir os projetos de leis, pode ser um verdadeiro analfabeto, porém os candidatos ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, necessariamente, precisam comprovar que são bacharéis em Direito, com atuação mínima de dois anos na área, serem submetidos a um concurso público e depois de aprovados realizarem cursos específicos para depois iniciarem nas respectivas carreiras.
Salvo melhor juízo, parece que a falta de comprovação de um mínimo de conhecimento técnico jurídico tem se refletido na Câmara Municipal de Guaxupé. A impressão que se tem é de que alguns dos edis não conseguem distinguir o que mérito e o que é legalidade de um projeto de lei.
Na última segunda-feira, 10 de maio, durante a realização da 7ª Sessão Ordinária, foi aprovado um projeto de lei de iniciativa do legislativo que pretende estabelecer a criação de uma “Patrulha Maria da Penha”. Não se pode deixar de reconhecer a boa vontade e a boa intenção do legislador, porém também não se pode deixar de arguir a legalidade e a constitucionalidade do projeto aprovado por unanimidade de votos, inclusive daqueles que detêm conhecimento técnico jurídico e que, portanto, deveriam resguardar a boa imagem daquela Casa Legislativa.
A Constituição Federal estabelece que os poderes constituídos da nação são harmônicos e independentes, com as suas respectivas atribuições e funções.
Nesta esteira, o Poder Legislativo só pode apresentar e aprovar projetos de lei de sua iniciativa, e que criem despesas para o Executivo, desde que apresente a fonte de receita para o respectivo custeio.
 
Suspeita de vício de iniciativa
No caso em tela, a Câmara Municipal aprovou um projeto de lei que cria despesas, porém não apresentou a fonte de receita para execução do mesmo. Portanto vejamos o que estabelece o art. 3º, já devidamente remendado, do mencionado projeto de lei: “A Municipalidade, através de Decreto próprio nomeará os membros da “Patrulha Maria da Penha”, com a capacitação de Guardas Municipais da patrulha e dos demais agentes públicos envolvidos para o correto e eficaz atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, visando o atendimento humanizado e qualificado, cuja coordenação será de responsabilidade da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social, com apoio da Secretaria Municipal de Saúde e da Secretaria Municipal Desenvolvimento Social”.
 
Suspeita de ilegalidade
Pois bem senhores leitores, se não bastasse a suspeita de vício de iniciativa, o malfadado projeto de lei ainda padece de outras supostas irregularidades.
O parágrafo 8º, do artigo 144, da Constituição Federal estabelece: “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”.
Portanto, por dispositivo constitucional, a Guarda Municipal, obrigatoriamente, tem que se limitar “à proteção de bens, serviços e instalações de propriedade do Município”, e nada mais do que isto e jamais poderá atuar “na fiscalização, proteção, prevenção, monitoramento e acompanhamento das mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar que possuam medidas protetivas de urgência em situação de violência no município de Guaxupé”, conforme prescreve o parágrafo único do art. 2º do mencionado projeto de lei.
 
Suspeita de invasão de competência
O parágrafo 5º, do art. 144, da Carta Magna, prescreve: “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”, portanto fica evidente que a segurança pública no sentido amplo da palavra é de competência exclusiva da Polícia Militar, não podendo a Guarda Municipal usurpar o poder de “proteção e de prevenção à mulheres vítimas de violência doméstica”, bem como de qualquer outra pessoa específica.
Acrescente-se que a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, já vem realizando o chamado Patrulhamento Maria da Penha.
Por outro lado o parágrafo 4º, do já mencionado art. 144 da Constituição Federal estabelece: “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
Portanto, salvo melhor juízo, Guardas Municipais também estão impedidos de realizar “o monitoramento e acompanhamento das mulheres vítimas de violência doméstica”, além fazer qualquer outro tipo de investigação, prerrogativas exclusivas da Polícia Civil.
 
Ineficácia
Apesar de tudo exposto, o projeto de lei ainda padece de outro suposto vício. O art. 4º do projeto de lei, depois de remendado, ainda prescreve: “o Poder Executivo poderá regulamentar a presente Lei, no prazo (sessenta) dias”.
Dignos e respeitados leitores, toda lei tem que ser taxativa, a disposição de que o Executivo “poderá” regulamentar a mencionada lei abre uma brecha para a sua inaplicabilidade e ineficácia.
 
Desfecho
Como o projeto de lei foi aprovado por unanimidade de votos dos vereadores, o trâmite normal é que o mesmo seja encaminhado ao Executivo, que poderá sancioná-lo, vetá-lo ou até mesmo silenciar-se. Caso o prefeito vete, o veto será submetido à apreciação dos vereadores. Na hipótese do veto vir a ser rejeitado, o Executivo poderá ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade, cabendo ao TJMG, Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidir quanto à constitucionalidade e legalidade do mesmo.
 
Ministério Público
Certamente que os dignos e respeitados representantes do Ministério Público Estadual responsáveis pelas searas, criminal e da Curadoria do Patrimônio Público estarão atentos no desenrolar dos fatos e também poderão investigar os verdadeiros motivos que levaram os vereadores a aprovarem um projeto de lei com suspeitas de vícios. (WF)