Da janela do meu quarto
A primeira atitude foi, obviamente, avisar os contatos, amigos e familiares, que estaria restrito à minha casa, impossibilitado de receber ou fazer visitas. Mas, o que parecia ser uma experiência desafiante se transformou numa experiência restauradora de alívio. Estaria protegido, por um breve período, da ameaça que a rua e o convívio social representam e também em contato obrigatório comigo mesmo.
É claro que as redes sociais e a tecnologia não permitem um total afastamento dos outros, sempre abrimos janelas para nos conectar com os contatos próximos ou distantes. Porém, mesmo que nos empenhemos em parecer o contrário, o que estabelecemos na comunicação virtual é sempre um recorte específico do que partilhamos com o outro.
Assim como as janelas da casa que permitem observar apenas parte daquele com quem dialogamos, as ferramentas de comunicação possibilitam recortes selecionados do que nos apresentam. Não dá pra escolhermos o que observamos daquilo que se nos apresenta, está além de nossa decisão, tampouco é possível alterar o nosso local de observação para percebermos outros ângulos. Quem se comunica pelas redes sociais (ou abre a janela de sua casa) determina o que será revelado ou escondido.
Por mais expostos que sejamos, selecionamos aquilo que pretendemos deixar que os outros observem em nós, ninguém é inteiramente transparente, se alguém se julga ser assim está enganando a si ou aos outros. O que os outros terão de nós, independentemente de qualquer coisa, será um simples recorte, maior ou menor não interessa, mas sempre uma seção de quem somos.
Voltando à casa, pode parecer uma opinião incomum, mas estar restrito e isolado entre quatro paredes, além de um instrumento necessário para a saúde pública, pode ser um respiro necessário e uma experiência reintegradora. Estar longe dos olhos alheios é algo que nos devolve para nós mesmos.
Somos especialistas em moldar nossa identidade ao julgamento alheio e tendemos a formatar nossas ideias a partir da relação com os outros, chegando ao ponto de nos confundirmos sobre o que pensamos, o que queremos e até o que somos.
Ter um tempo exclusivo para nós é a oportunidade de nos refazermos das constantes quebras da vida cotidiana e do impacto das relações humanas, tudo pode nos levar a uma fragmentação profunda, onde podemos nos perder em nós mesmos. Parece estranho, mas apreender-se por alguns momentos, pode ser o caminho possível para a liberdade pessoal.
Sérgio Bernardes é padre, jornalista e pesquisador em Teologia Contemporânea.