ENFIM, CHICO BUARQUE RECEBE O CAMÕES
O Prêmio Camões tem como objetivo “consagrar um autor de língua portuguesa que, pelo conjunto de sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural do idioma”. No Brasil, sua organização cabe à Fundação Biblioteca Nacional, enquanto na nossa Pátria Mãe cabe à DGLAB – Direção Geral do Livro, Arquivos e Biblioteca – ambas vinculadas aos respectivos ministérios da Cultura. Necessariamente, a escolha não precisa ser a de um escritor ou poeta, podendo ser a de um crítico literário ou de um dramaturgo. O objetivo fala de “enriquecimento do patrimônio literário e cultural do idioma”. Sua primeira premiação ocorreu em 1989, sendo Chico Buarque o 34º. Mesmo que imaginem que Chico seja apenas um compositor e cantor, ele escreveu livros como: Estorvo, Benjamim, Budapeste, Leite Derramado e O Irmão Alemão, além da montagem de peças teatrais como: Calabar, Roda Viva, Gota d’Água, A Ópera do Malandro e uma versão infantil de Os Saltimbancos.
É oportuna a lembrança que a própria Academia Sueca inovou em 2016, agraciando com o Nobel da Literatura o cantor, compositor, escritor e pintor, Bob Dylan, “por ter criado novas expressões poéticas dentro da grande tradição da canção americana”. O Prêmio Camões dá uma recompensa monetária atual de 100 mil euros, cuja metade é paga pelo governo português e a outra metade pela Biblioteca Nacional.
Chico Buarque de Holanda, escolhido como o vitorioso em 2019, foi uma das primeiras vítimas do retrocesso cultural do Brasil, no governo então empossado de Jair Bolsonaro. Na sequência do processo de escolha da sua premiação, o Presidente da República se recusou a assinar documentos relativos à diplomação de Chico Buarque. Perguntado à época por um jornalista, se viria a assinar o diploma de Chico Buarque, respondeu o então Presidente Bolsonaro: “Tenho até 2026 para assinar”, numa presunçosa confiança da sua reeleição, que fracassou. A retaliação aos artistas simpáticos à Esquerda ultrapassou a boataria relativa à Lei Rouanet.
Em artigo que produzi para este semanário, em 11 de outubro de 2019, usei de expressões como “bitolamento de governo”, ou “paranoico terror ideológico” como rumos enviesados que o novo governo adotava. Esse meu artigo foi publicado meses antes da Pandemia do Coronavirus, em 11 de outubro de 2019, nas edições impressas d’A Folha Regional de Muzambinho e do Jornal da Região de Guaxupé. Sob o título de “A Dimensão de Camões que o Capitão Desconhece” o artigo aborda o veto do Presidente Bolsonaro e outros aspectos do Prêmio Camões, inclusive uma abordagem a respeito de Luís Vaz de Camões (1524-1580), autor de Os Lusíadas, e considerado como a maior expressão dentre os escritores lusófonos. Contém a história do prêmio e a lista dos seus vencedores até aquela ocasião, com Chico Buarque. Certamente que, naquela momento, não prevíamos a radicalização de Bolsonaro com artistas famosos em função de divergências políticas e ideológicas, nem o nosso desmonte cultural, muito menos o surgimento da mortífera Pandemia. Todos esses fatores barraram a entrega do Prêmio Camões nos anos seguintes de 2020 a 2022, mas a escolha anual dos vencedores não foi interrompida. Devo lembrar que os premiados seguintes foram: o escritor português Vítor Manuel de Aguiar e Silva; a moçambicana e primeira mulher negra agraciada, Paulina Chiziane e, ano passado, o já premiadíssimo brasileiro Silviano Santiago. Este último é mineiro de Formiga, 86 anos de idade, romancista, poeta, crítico literário e ensaísta. Graduou-se em Letras Neolatinas pela UFMG/1959. Fez doutorado em Literatura Francesa na Universidade Sorbonne-Paris/1968. Lecionou Literatura Brasileira e Francesa em Albuquerque/U.S.A. e na Universidade do Estado de Nova York, em Bufalo/U.S.A. Voltou ao Brasil para se afastar da pressão para que adotasse a cidadania norte-americana. Aqui, foi professor de literatura na PUC/RJ e na UF-Fluminense.
A retomada da premiação de Camões destravou essa honraria literária. A romancista de Moçambique, Paulina Chiziane, deverá receber seu prêmio no próximo 5 de maio, em Lisboa, dependendo os demais de um agendamento de solenidade.