O crente no divã

Ago 24, 2023 - 00:00
O crente no divã
O crente no divã
Temos visto uma crescente busca da comunidade evangélica por atendimento psicológico.
 
Pode ser crise de fé? Sim. Pode ser. Quando as pessoas se angustiavam ou ficavam demasiadamente ansiosas e aflitas perante as tribulações, Jesus de Nazaré usava as seguintes expressões: "homens de pouca fé", "homens fracos na fé", "quando eu voltar encontrarei fé na terra?".
 
Pode ser opressão institucional? Pode ser também. Tudo o que é reprimido na mente frequentemente volta deformado na conduta. 
 
O indivíduo que não busca consciência crítica, não se liberta da alienação, se sente marionete nas mãos de algum mau pastor, se sujeitando às perversidades sem reagir à uma submissão injusta, escandalosa e arbitrária, se arrastando na melancolia, envergonhado, exposto, humilhado, arrasado pelo sentimento de culpa, amedrontado pela falta de perdão, pela impossibilidade de reconciliação consigo mesmo, com Deus e com as demais pessoas (família, comunidade, igreja), esse indivíduo então se desespera, gerando nele mesmo transtorno psíquico, desequilíbrio emocional, às vezes condutas bizzaras - veladas ou explícitas -,  e a necessidade espontânea de buscar ajuda, ou dar fim à própria existência.
 
O que notamos também, na procura crescente por atendimento psicológico entre as comunidades evangélicas, é uma maior quebra de preconceito. 
 
Pessoas crentes procuravam médicos, dentistas e fisioterapeutas naturalmente. Mas quando se tratava da mente, os crentes tinham receio de procurar psicólogos, pois poderia ser falta de fé ou tão somente a presença influente e destruidora do Diabo, casos então que deveriam ser resolvidos unicamente na própria igreja, com aconselhamento pastoral e orações. Também os crentes tinham medo de ser sinal de loucura ou presença de psicopatologias, psicossomatizações. Sentiam vergonha de tudo isso. 
 
Note bem: Ninguém se envergonha de ter uma cárie dentária, uma pedra na vesícula, um desgaste no joelho, ou uma dor nas costas por exemplo. Mas falou em doença mental, vem logo o preconceito, o medo de rotulação, incompreensão, exclusão, deboche, zombaria etc. 
 
Aos poucos, felizmente, muitas pessoas crentes têm conseguido fazer o correto discernimento - mesmo às vezes a contragosto de algum pastor precariamente formado e mal informado sobre os avanços da ciência. 
 
Apesar disso, o crente de bom senso sabe que a ajuda psicológica existe, é um direito. Por isso procura e se beneficia da ajuda. O crente então aprende que angústia de alma, lidar com sensações, percepções, sentimentos, emoções, temperamento, traços de caráter, personalidade, relações interpessoais enfim, são fenômenos humanos, psicológicos, pertencentes à complexa mente humana, e cuidar da saúde mental, no sentido de buscar ajuda profissional da Psicologia, quando necessário, não é falta de fé. 
 
Verdadeiramente em muitos casos não é falta de fé. São apenas dificuldades humanas, naturais, contingenciais, podem ser psicopatologias herdadas, outras adquiridas, das quais precisam ser acolhidas, tratadas. E tratadas com fé! 
 
A fé do crente só o ajuda no tratamento - em qualquer tratamento, seja ele físico ou mental.
 
Buscar auxílio com profissionais da mente humana (psicólogos e eventualmente psiquiatras) é sinal de bom senso, inteligência, sensibilidade e respeito a Deus que tem, nos cientistas, seus auxiliares.
 
A internet tem ajudado a divulgar essa informação de ruptura preconceituosa e quebra de superstições, facilitando muito essa compressão por meio de alguns bons pastores conhecedores da Psicologia, que reconhecem a importância da psicoterapia, pois ela oportuniza o privilégio do autoconhecimento. 
 
A Patrística, dentro do contexto cristão católico, já manifestava, há séculos, tal discernimento a respeito do valor do autoconhecimento.
 
Os primeiros padres católicos da Igreja de Jesus já conseguiam intuir, perceber e compreender que, por meio do autoconhecimento, o ser humano não tinha um encontro apenas consigo mesmo, com sua história de vida, com a sua mente ou sua alma, mas também tinha a oportunidade de ter um encontro com Deus, uma experiência pessoal com Cristo.
 
Portanto, a pessoa crente que tem coragem de se autoconfrontar e fazer dessa jornada fascinante e inesquecível uma melhor capacitação em autocontrole, convivência, diálogo e compaixão, além de usufruir do saber psicológico, renovando a mente e aperfeiçoando o comportamento frente às normas da civilidade, será uma pessoa mais realizada, pacífica e feliz.
 
Terá também a chance e a oportunidade de fortalecer a fé, tornando-a mais limpa, sem os fantasmas da inconsciência nem as ameaças do fanatismo excludente, desfigurante, despersonalizante e doentio. 
 
Quando o crente encontra um profissional da saúde física ou mental que concebe o ser humano como um ser espiritual passando por uma experiência na terra, e faz do tratamento um encontro humilde, sincero e gentil, o resultado será certamente satisfatório, comprovatório e testemunhal.